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Fotos: Getúlio Lefundes |
Com um debate bastante qualificado, a APLB-Sindicato inaugurou, na tarde desta sexta-feira, 30, o debate sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) na Bahia. O tema foi abordado pelas professoras Madalena Guasco Peixoto, Doutora em Educação: História, Política, Sociedade, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde também é professora titular do Departamento de Fundamentos da Educação da Faculdade de Educação; Maria Luiza Sussekind Verissimo Cinelli, Pós-Doutora em Currículo pela University British Columbia (UBC), professora do Programa de Pós-Graduação da INIRIO; e Valdirene Souza, diretora de Currículo e Inovações Pedagógicas da Superintendência de Políticas da Educação Básica (SUPED), da SEC/BA. O seminário reuniu delegações de professores de 94 municípios baianos, que lotaram o Salão Esmeralda do Sheraton Bahia Hotel, em Salvador.
Apesar de externarem algumas divergências teóricas e de concepção sobre Base Nacional Comum, as palestrantes concordaram sobre a exiguidade do tempo disponibilizado pelo MEC para a discussão e apresentação de contribuições sobre a BNC, cujo documento preliminar foi lançado em 16 de setembro com prazo até 15 de dezembro para receber as contribuições, que devem ser inseridas na página virtual da Base Nacional Comum Curricular.
Madalena Guasco iniciou sua fala fazendo considerações gerais e elencando dados históricos sobre a criação de um sistema curricular com base comum, cuja defesa em nível nacional não é recente. Ela estava apontada na Constituição de 1988 e prevista na LDB, promulgada em 1996. A professora, que também é coordenadora geral da CONTEE e membro efetivo do Fórum Nacional de Educação, destacou a existência de uma grande intersecção na discussão sobre Base Nacional Comum no Brasil.
“Na década de 80 estávamos num avanço democrático. Havíamos derrubado a ditadura militar e estávamos reconstruindo a democracia nas escolas e discutindo a necessidade de elaborar a nossa própria reflexão. Após 96, quando a LDB foi aprovada, entramos, no Brasil e no mundo, numa concepção anti-democrática, o neoliberalismo, um projeto econômico, político e ideológico que coloca a educação não mais como direito, mas como serviço. Então passamos a discutir a questão curricular num outro ambiente, que é contrário ao avanço democrático”.
Sobre o debate atual em relação à Base Nacional Comum, Madalena Guasco criticou a não inclusão da classe docente na discussão e elaboração do documento base e alertou sobre a existência de agentes sociais privados, alguns de capital internacional e de capital aberto atuando no debate sobre currículo e base nacional curricular no Brasil.
Agentes sociais privados
Ela citou alguns deles: Fundação Roberto Marinho, Vitor Civita, Airton Senna, Grupo Lemman, Natura, Gerdau, Volkswagen, Itaú, Bradesco, Santander, Pierson, um grupo inglês com atuação no mundo inteiro, que no Brasil comprou a Abril Cultural e algumas escolas de idiomas, e atua de forma articulada com o grupo Anhanguera & Kroton e, inclusive, oferece modelos de gestão pedagógica para a escola pública. “Então esses grupos estão interessados, sim, na discussão de currículo e nós temos que saber que a demanda dos agentes privados existe, para não darmos uma de ingênuos neste debate, porque estes grupos foram chamados não só a opinar, mas a construir o documento base”.
As palestrantes conclamaram os professores presentes a se mobilizar contra a forma como a BNC vem sendo discutida no Brasil. “Temos que berrar e dizer ao MEC que este prazo é inviável. Enquanto movimento social, e os sindicatos tem um papel importante nisto, temos que dizer para o governo que não estamos gostando desta forma e partir para o debate, mas não de conteúdo apenas, dizer que o currículo não é descolado da realidade da profissão, precisamos ter condições de trabalho, dizer que o aluno também tem que fazer parte da discussão, principalmente do núcleo específico. Temos que dar a nossa opinião sobre o processo e dizer que este currículo não está baseado na realidade”, provoca Madalena Guasco.
Essa idéia é apoiada pela professora Maria Luiza Sussekind. Ela revela que a ANPED (Associação Internacional de Estudos Avançados em Currículo), da qual faz parte como vice-coordenadora do GT de Currículo, tem uma rede que pesquisa aonde vai ter debate sobre a Base Nacional Comum para buscar a participação no encontro. “Hoje a CNTE tem nos ajudado nisto e quando a gente sabe que vai ter um seminário, a gente liga, se oferece para ir, pede para falar, o que em geral é difícil, principalmente nos encontros promovidos pela UNDIME”.
A postura da especialista é totalmente crítica em relação à política de unificação do currículo. Para ela esta política curricular vai num sentido muito diferente das políticas de ação afirmativa e de democratização do acesso aos diversos níveis da educação que vinham sendo implementadas nos últimos dez anos no Brasil.
Tsunami neoliberal
Na visão da professora, estamos diante de um tsunami neoliberal, fenômeno global de face extremamente conservadora, cujas soluções nos espaços locais não podem ser orientadas em escala global. “A gente precisa garantir o que está na nossa LDB, que é a autonomia docente e dos projetos pedagógicos locais”.
Na análise da especialista a face principal dessa reforma é a desumanização e demonização do trabalho docente e a responsabilização dos professores e gestores pelos resultados que ela entende serem impossíveis de ser conseguidos. “Estas soluções em nível local, mas que são globalmente (e mercadologicamente) orientadas se apropriam tanto do tecnicismo quanto da própria pedagogia crítica, usando a ideia de um conhecimento poderoso, de que a unificação curricular pode de algum modo controlar identidades e garantir a realização de um projeto de país”.
Experiências malsucedidas
Ela aponta experiências internacionais que comprovam resultados negativos nos países que unificaram currículos, como África do Sul, Estados Unidos, Finlândia, Chile e uma série de outros países, que precisaram fazer revisões nas suas reformas, porque o que eles fizeram não foi equalizar resultados. “Pelo contrário, produziram imensas desigualdades e enormes problemas locais. Como exemplo nos Estados Unidos o descrédito do sistema público de educação, que era um dos pilares da sociedade americana, bem como o descrédito dos professores do sistema público”.
Maria Luiza Sussekind defende a garantia de um espaço local de negociação. Para ela que as políticas curriculares não podem ser simplesmente aplicadas, mas sempre negociadas.
SEC articula mobilização na Bahia
A representante da SEC-BA, Valdirene Souza destacou a importância de trazer o tema currículo para a centralidade das discussões, e, a exemplo das outras duas palestrantes, elogiou a iniciativa da APLB-Sindicato de realizar o seminário. “Este debate da base, curricular, com os argumentos contrários e favoráveis representa um ganho para a sociedade brasileira e para nós educadores”, .elogiou.
Ela destacou o papel da SEC na mobilização dos educadores baianos para debater e se posicionar sobre o documento base, acessando o sistema e deixando a sua contribuição. “Fruto das nossas discussões temos na Bahia uma comissão formada pela Secretaria da Educação, Undime, APLB, Associação dos Estudantes Secundaristas, Conselho Estadual de Educação, Fórum Estadual de Educação e Sindicato dos Estabelecimentos Privados de Ensino para fazer esse trabalho se articulação dos professores e da sociedade baiana e algumas estratégias já foram definidas pelo grupo, como a realização de um dia estadual de mobilização, no dia 12 de novembro”.
Ao final, o professor Rui Oliveira agradeceu às palestrantes pelas contribuições dadas, e à Comissão de Educação da APLB pela organização do evento, e disse que o público do seminário foi privilegiado por participar do importante debate sobre base nacional curricular, promovido de forma pioneira pela APLB-Sindicato. “As universidades não fizeram, os Institutos Federais de Educação não fizeram. Nem governo, nem prefeitura. Só a APLB”, destacou.
Ele frisou que o encontro não teve o objetivo de tirar conclusões. “O que a gente precisa é dizer que é preciso debater mais e fazer pressão para que se estenda este prazo de 15/12. Faço parte da coordenação de mobilização na Bahia e o dia 12/11, escolhido como Dia Estadual de Mobilização, nas escolas do estado todos vão ter a oportunidade de ouvir, pelo menos, um enunciado sobre o que é Base Nacional Comum, porque a maioria dos professores ainda não sabe o que é”.