As OS não vão ter tanta burocracia para colocar os professores à disposição. Por exemplo, se um professor começa a ter muito problema de saúde, tirar muita licença, ela pode justificar que ele não está rendendo para a escola e tirar o professor. Põe à disposição. Professor anônimo entrevistado por Passa Palavra
Enquanto em São Paulo os estudantes e trabalhadores da educação se mobilizam contra a reorganização do ensino, em Goiás a ofensiva se dá, à primeira vista, na entrega da gestão de 30% da rede escolar para as Organizações Sociais (
OS). Os lutadores de São Paulo, se são exemplo pela dianteira que tomaram no processo luta, devem olhar para o que acontece em Goiás como o paradigma dessa nova onda de “reestruturações” do ensino. Nesse estado do Centro-Oeste brasileiro, o movimento de terceirização da gestão escolar encontra-se em estágio avançado, dispensando qualquer tipo de eufemismo e malabarismos discursivos do qual ainda se vale o governo paulista. No planejamento do governador de Goiás, Marconi Perillo, está previsto que 25% das escolas do estado estejam, ainda em 2016, sob a batuta das Organizações Sociais, sendo que 26 unidades escolares do estado se encontram já sob o controle da Polícia Militar. Sem qualquer pudor,
Perillo é bastante sincero em revelar o verdadeiro sentido que move essa nova vaga de reformas escolares, dentro da qual a estrutura do quartel, da prisão e da empresa capitalista servem de modelo à forma organizacional que se pretende dar às unidades escolares: corte de gastos associado ao aumento de disciplina e controle sobre educadores e estudantes.
Conversamos com um professor anônimo sobre o impacto que essas mudanças irão ter no seu local trabalho. Esse professor trabalha em uma escola que atende o Ensino Fundamental 2 e a Educação Infantil. É um colégio pequeno, mas com boa estrutura. A escola está classificada no IDEB [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] em uma das melhores posições. Não é considerada problemática: pelo contrário, é uma referência no sentido de apoio aos deficientes, surdos e nunca aderiu a uma paralisação. O professor revela que além da mudança na gestão e nas relações de trabalho pelas empresas, o próprio estado (através da Secretaria de Educação e das direções escolares) já estão praticando um grande corte de custos e uma reorganização do ensino na escola.
Passa Palavra (PP):
Como você ficou sabendo que a OS seria implantada no colégio?
Professor Anônimo (PA): As
OS estão sendo anunciadas, ela foi anunciada na escola, especificamente, tem uns três meses, né, que a diretora chegou no recreio, na sala dos professores e anunciou que essa escola ia se transformar em uma
OS, a
OS ia pra dentro da escola. Mas ela anunciou de uma forma muito vaga, não abriu pra discussão, e depois não tocou mais no assunto. Então, ela anunciou em setembro que ia se transformar em
OS e agora estamos em novembro. Desde então ela nunca mais falou sobre isso.
PP: Mas agora vocês tiveram mais informação sobre o que vai acontecer?
PA: Sim, agora a gente está finalizando o ano, agora foi o pré-conselho em todos os colégios estaduais e ela chamou todos os professores e, de forma muito tensa, passou os informes das
OS a partir do ano de 2016. Que [de acordo com a diretora] é um processo irreversível e começou a pontuar como seria esse processo pros professores, né?
PP: Quais as mudanças anunciadas para os professores?
PA: Ela disse que todos os contratos vão sair, vai ocorrer o cancelamento de todos os contratos. Vão ser contratados novos professores a partir das condições das
OS, que não se sabe quais são. Isso causa um incômodo muito grande para os trabalhadores, que não vão ter mais, não vão poder saber se vão retornar ou não, se vão estar empregados ou não. O pessoal ficou meio nervoso nessa hora. Para os efetivos, o discurso já está mudado. Antes era que não ia mudar nada pros efetivos, mas os efetivos, eles vão ficar totalmente, eles vão ser pagos pelo estado, mas vão estar totalmente à disposição da
OS. Se a
OS quiser mexer num professor efetivo (transferir, colocar à disposição, diminuir a carga horária dele, colocar ele em outro lugar), elas vão poder fazer isso de forma autônoma mesmo.
PP: Qual é a diferença entre uma OS colocar um professor à disposição e uma direção de escola?
PA: Então, a diretora de uma escola, ela já pode fazer isso, mas ela tem que se basear em fatos, em relatórios, tem que montar um dossiê, um processo pra que esse professor seja colocado à disposição ou mudado de função dentro da escola. Já as
OS não, as
OS não vão ter tanta burocracia para colocar os professores à disposição. Por exemplo, se um professor começa a ter muito problema de saúde, tirar muita licença, ela pode justificar que ele não está rendendo para a escola e tirar o professor. Põe à disposição.
PP: Na estrutura do colégio, que mudanças foram anunciadas?
PA: As
OS vão mexer com a parte administrativa, com os funcionários administrativos também, além da merenda e limpeza. Então, os funcionários administrativos, que até então não se sabia se eram ou não eram realmente, vão ser das
OS mesmo, e eles vão ter que seguir as ordens, as metas e os trabalhos que as
OS priorizarem lá. Então eles vão ser funcionários diretos da
OS mas vão ser pagos pelo estado, os funcionários concursados administrativos.
PP: E também poderão ser colocados à disposição em qualquer momento?
PA: Com certeza.
PP: E os administrativos contratados?
PA: Vão sair. Os trabalhadores que colocam as notas, as faltas, tudo, a situação deles vai ser pior ainda. Eles realmente vão ter que seguir o que a
OSpropor. E a lógica é empresarial mesmo, a escola como empresa. Então se, por exemplo, e foi o exemplo que a diretora deu, nós temos dois funcionários na biblioteca de 30 horas. Para uma empresa é mais lucrativo e de menos gasto ter um funcionário de 40 do que dois de 30. Esses dois de 30 horas já estão fora. Um deles ou outra pessoa vai assumir essa função de 40 horas, na biblioteca no caso. No laboratório também.
A diretora também falou outras coisas importantes. Apesar de ter ficado muito vago, pois ela também não teria tanta informação para dar, mas ela deu algumas datas importantes e bem sintomáticas de como esse processo vai acontecer. Dia 29 e 30 de dezembro vai ser divulgada a lista das escolas. Em Goiânia ela falou que vão ser cerca de 100 escolas. Então, a meta é que a mudança atinja 30% dos alunos e não 30% das escolas, isso é uma mudança que a diretora enfatizou muito. E dia 4 de janeiro as
OS já vão estar assumindo as escolas. Ela teria que entregar já todas as contas fechadas, tudo organizado, a pré-modulação toda feita, pra que as
OS, a carta dela já assinada de demissão, para que as
OS pudessem assumir as escolas.
PP: O que vai acontecer com a direção da escola?
PA: Ela falou que ela sai do conselho escolar, não vai existir conselho escolar na escola, aquele que na teoria seria diretores, professores e pais, né. Ela sai da direção da escola e se torna uma “diretora pedagógica”, que vai orientar os professores e coordenadores, o trabalho dos professores e dos coordenadores.
Ela falou uma coisa importante: também vai ter esse processo de reorganização em Goiás. Vão ser no mínimo 6 escolas em Goiânia que vão ser fechadas pra se “reorganizar a demanda dos alunos”. Ela falou também que o professor que não quiser trabalhar pra uma
OS vai poder ser transferido pra uma escola que não tem
OS.
PP: Em termos de custos que a escola gera, qual o impacto?
PA: É um corte de custos muito grande. Agora, com ela falando, que realmente deu pra perceber. Vai economizar pra caramba. E vai superlotar as salas mesmo. A questão dos apoios, por exemplo. Tem dez apoios na parte da manhã que trata com surdo, síndrome de down, (porque) a gente tem aluno cadeirante, tem aluno com hidrocefalia. São dez apoios. Agora vão ser quatro apoios. Por uma justificativa de rendimento daquele trabalho. “Ah, isso não tá rendendo, isso não precisa tanto”.
PP: Mas antes da OS chegar já foi definido esse corte?
PA: É, ela falou que é para deixar tudo organizado pra
OS já tomar conta. Ela quer deixar a escola já, com tudo que tem que ser enxugado já enxugado. O estado já vai enxugar a escola pra
OS assumir. Pelo menos na minha escola vai ser assim. Tem que saber nas outras.
PP: E a reação dos colegas de trabalho?
PA: Ah, isso foi interessante. Porque o discurso era “ah, a gente é efetivo, então tá tudo tranquilo”… no que a diretora foi passando o informe, começou aquele buchicho, e aqueles olhos arregalados de “nossa, vai ser verdade, vai acontecer, nossa carreira vai ser destruída”. Ficou todo mundo muito resistente às
OS. Mas ao mesmo tempo eles não conseguiram, nós não conseguimos, mostrar nenhum tipo de resistência. Foi passado o informe, né, do movimento contra a terceirização, algumas manifestações que estão se fortalecendo aqui em Goiânia, contra a terceirização, contra as
OS e os militares, só que elas não viram muito sentido. Inclusive, no final a diretora falou para a gente pedir pra Deus pra orientar nossas vidas. Tomando as
OS como processo irreversível e que não tem o que fazer.
PP: Dada a forma como que está se organizando essa mudança, como você acha que seria possível fazer uma resistência efetiva a esse processo?
PA: Bem… eu acho que a gente pode partir de exemplos mesmo, né, de processos de privatização da educação que aconteceram em outros lugares e atualmente, mesmo e como essas resistências, estão se colocando. Então, a gente teve lá no Chile, a organização, principalmente dos estudantes, ocupando as escolas. Em São Paulo, agora em novembro, também a mesma coisa. E uma discussão, uma rearticulação da escola, do cotidiano da escola, esses meninos assumindo as escolas. Eu acho que aqui, em Goiânia, só assim a gente pode começar a pensar em uma resistência mais efetiva. Na verdade, demorou muito pra começar. A gente já tinha algumas informações que já dariam para começar. Mas por “ene” questões demorou muito e a gente já está finalizando o ano escolar, mas eu boto fé que essa meninada até a segunda semana de dezembro tá ocupando alguma escola.